Recebemos com profundo pesar a not�cia do
falecimento do Prof. Antonio Barros de Castro, ocorrido na manh� de
domingo, 21/08, e nos solidarizamos com seus familiares, colegas e
amigos.
Leia, abaixo, os depoimentos de Lavinia Barros de Castro e dos
professores
Francisco Eduardo Pires de Souza, Jo�o Paulo dos Reis Velloso
e Fernando Cardim de Carvalho sobre Barros de Castro.
Antonio Barros
de Castro, meu pai
Quando eu tinha por volta de 6 anos de idade
escutei a tia de uma amiguinha minha comentar com minha m�e: “Sua filha
disse que o pai dela se chama Antonio Barros de Castro, falou assim o
nome todinho, uma gra�a, e disse que ele � um dos maiores economistas
do Brasil“. Ela tinha achado uma coisa linda de crian�a. Para mim n�o
era. Eu cresci, fiz mestrado e doutorado – e continuei achando a mesma
coisa.
Meu pai foi meu her�i, meu mestre, meu amigo, meu maior cr�tico e,
junto com minha adorada m�e, meu maior incentivador. Muitas coisas
lindas foram ditas sobre ele esses dias e n�s da fam�lia estamos muito
emocionados com todo o apoio recebido.
�s
vezes, eu escuto dizer que meu pai era um otimista. N�o � verdade. Era
um inconformista. Um cr�tico dif�cil de contra-argumentar, embora
excelente ouvinte. Ele buscava sempre uma solu��o, n�o �bvia, depois de
analisar os problemas nos seus in�meros “ladinhos”. Tratava os
problemas como diamantes e ficava lapidando, lapidando, para depois
admirar e come�ar um infind�vel trabalho de pensar uma solu��o.
O “Castro” n�o se enquadrava bem em nenhuma escola de pensamento. Tinha
uma alma “estruturalista”, escola de pensamento que, junto com a
Concei��o e o Lessa, ajudou a criar no Brasil. Esta sua alma se
revelava hoje na sua quase obsess�o pela China: “� preciso repensar o
Brasil, num mundo sinoc�ntrico”, dizia.
Meu pai tamb�m tinha muitos “ladinhos”, existiam muitas outras
influ�ncias em seu pensamento. Leu e deu muito tempo aulas sobre Marx.
Um leitor atento perceber� facilmente, em muitos de seus artigos, essa
influ�ncia. Meu pai considerava seu estudo sobre a economia da
cana-de-a��car um de seus melhores trabalhos. Nele, se encontra o seu
lado historiador. Tinha tamb�m um lado profundamente keynesiano,
digamos, era o seu lado policy. Sempre acreditou na m�o vis�vel do
Estado e no perigo de deixar os mercados sozinhos. Admirava Minsky, mas
o seu objeto maior de estudo era o “lado real da economia”. Um dos
autores mais influentes de sua obra era Schumpeter, pela �nfase no
car�ter inovador do capitalismo e na compreens�o da sua din�mica. Era
quase um schumpeteriano, mas como n�o descartava os demais autores, n�o
se podia exatamente dizer isso. Estudou muito os velhos
institucionalistas e dava grande papel �s institui��es e conven��es.
Entre os institucionalistas, Hirschmann, era seu predileto. Muitos o
criticavam por ser assim t�o rebelde e por n�o se definir nunca
academicamente. Mas era essa a sua ess�ncia. Reconhecia uma grande
id�ia, mesmo quando discordava dela.
Embora a economia fosse a menina dos seus olhos, durante um tempo leu
tamb�m muitas coisas em Administra��o para adaptar o conceito de
“estrat�gia” aos desafios atuais da economia brasileira. Uma vez me
disse que tinha um caderno inteiro s� sobre “estrat�gias”. Ele anotava
tudo, parecia um estudante de gradua��o daqueles que sentam na primeira
fila. N�o tinha problema com a ideia de “escolher vencedores”, mas
tinha rep�dio ao seu inverso – apoiar tudo e todos. Isso era para ele a
anti-estrat�gia.
O “Castro” n�o escreveu muitos artigos em revistas com referee, mas
mudou algumas vezes o jeito de se pensar a economia brasileira.
Influenciou gera��es com seus livros e co-autorias, deixou muitos
disc�pulos e uma legi�o de ex-alunos que o admiravam. Era um contador
de hist�rias e por isso um grande professor. Era tamb�m uma figura
humana muito querida pelas secret�rias, empregadas, motoristas,
ascensoristas, enfim todos que o rodeavam. Sempre que me viam me pediam
para mandar um abra�o para ele.
A frase que mais repetia atualmente era: “o mundo est� t�o
interessante!”. Qualquer pessoa que passasse com um artigo instigante
ele dizia aflito: “Preciso ler isso. Mas preciso mesmo, para ontem”.
Tinha sempre pressa no saber. Estudava de domingo a domingo e a gente
nem reclamava, pois sabia que felicidade, para ele, era isso.
Meu pai deixou para tr�s quatro filhos que t�m em comum a adora��o pelo
pai e sua eterna companheira, sua cara-metade, minha m�e. Recentemente
sua maior divers�o (dele e de sua neta) era “pular na cama do Dod�”.
Ele fingia que ralhava, dizia que n�o podia – e se deliciava. Como sua
neta, meu pai adorava uma transgress�o, no caso dele, �s id�ias
pr�-estabelecidas.
Lavinia Barros de Castro
Castro
Castro nos deixou da mesma maneira que viveu boa parte de sua vida:
entre livros, d�vidas, reflex�es e em pleno processo de cria��o
intelectual. Na �ltima vez em que estive com ele, num almo�o na
Casa Urich, no centro do Rio, sua cabe�a fervilhava de id�ias. Estava
reconstruindo, pela en�sima vez, um novo texto sobre os impactos
da China na economia global – e o desafio colocado a todas as economias
de se reposicionar e redefinir suas estrat�gias num mundo cada vez mais
sino-c�ntrico.
Foram tantas as vers�es deste �ltimo e inacabado texto, que n�o sei
exatamente quais argumentos foram descartados – demolidos por seu
rigoroso processo de (auto) cr�tica -, quais sobreviveram ao seu crivo
e que novas id�ias chegaram a ser incorporadas.
Conheci bem de perto esse seu processo de cria��o. Come�ava com
insights, novas id�ias. � medida em que elas iam sendo
elaboradas, desenvolvidas, confrontadas com fatos e estat�sticas,
submetidas a rigorosos testes l�gicos e emp�ricos, iam sendo
modificadas, abandonadas, ou incorporadas ao seu esquema
anal�tico. Era um processo penoso, cheio de d�vidas, ang�stias e
inquieta��es. Mas havia dois momentos de �xtase: no surgimento
das id�ias e no momento em que as sobreviventes finalmente ganhavam
forma definitiva num artigo ou livro.
Uma caracter�stica sua, que desde o in�cio me causou grande impacto – e
admira��o – era a enorme vontade de entender os fen�menos econ�micos,
sem preconceitos, sem medo de por em risco id�ias pr�vias. Ao
longo deste processo, chegava muitas vezes a verdades inconvenientes, e
terminava invariavelmente em grandes pol�micas.
Nos �ltimos dez anos, o fen�meno da emerg�ncia econ�mica da China
tornou-se quase uma obsess�o. A mudan�a em curso do centro de gravidade
da economia mundial para a �sia e a ascens�o social de centenas de
milh�es de consumidores e seus efeitos sobre todas as economias do
planeta constitu�am um fen�meno fascinante e um desafio irresist�vel
para uma mente como a de Castro.
A discuss�o sobre esse quest�o, como muitas outras que foram colocadas
ao longo do tempo, era sempre oportunidade de grande prazer intelectual
e de aprendizado. Infelizmente, dessa vez, interrompida abruptamente.
Castro era grande amigo e parceiro, e com certeza um dos economistas
mais criativos e pol�micos deste pa�s. Vai fazer enorme falta a todos
n�s que com ele conviv�amos. E, por certo, tamb�m ao debate sobre o
Brasil e sua economia.
Francisco Eduardo Pires de Souza
O Brasil
ficou menor
Com
a morte de Antonio Barros de Castro, o Brasil ficou menor, na express�o
de John Donne.
Menor, porque Castro era um grande economista – criativo,
descendo em profundidade aos assuntos, capaz de vis�o ampla.
E, tamb�m,
grande brasileiro.
Mais ainda, um grande homem.
E, para mim, um grande amigo.
Que Deus o tenha.
Jo�o Paulo dos Reis Velloso
Antonio Barros
de Castro
O Professor
Barros de Castro � amplamente conhecido por toda a comunidade acad�mica
brasileira. Por muitos anos, a maioria dos cientistas sociais
brasileiros aprendeu os fundamentos da teoria econ�mica pelo manual que
escreveu com Carlos Lessa. Os economistas o conhecem pelos seus
trabalhos mais avan�ados, pol�micos e impactantes, como, especialmente,
os Sete Ensaios sobre Economia Brasileira e Economia Brasileira em
Marcha For�ada. Mente inquieta e disposi��o participante, com sua
inclina��o fortemente nacionalista Castro participou de todos os
debates importantes de pol�tica econ�mica no Brasil das �ltimas
d�cadas, impedindo com seus argumentos sempre originais e provocativos
que seus interlocutores se refugiassem em lugares comuns e slogans
vazios.
Castro figura p�blica, acad�mico e
policy
maker,
� amplamente conhecido muito alem da comunidade
acad�mica. Tamb�m � muito conhecida, e n�o s� por seus amigos mais
pr�ximos, sua afetividade, sua lealdade pessoal inquebrant�vel,
respons�vel por amizades que duraram d�cadas, sua curiosidade extrema,
seu calor humano, e para o que contribu�ram sua postura como homem de
ci�ncia e sua personalidade, seu apoio permanente a jovens economistas
em quem, generosamente, reconhecia potencialidades. Antonio Barros de
Castro � um amigo muito pr�ximo de 35 anos. Eu me beneficiei amplamente
de todas as qualidades que mencionei (e muitas outras) por todo esse
per�odo, desde que o tive como orientador de mestrado, em 1976. Seu
desaparecimento � uma perda pessoal, para mim e para minha fam�lia,
imposs�vel de ser medida.
Fernando J. Cardim de Carvalho
10.09.2011